Chega de Queda!

Raio-X do cabelo, parte 1 – Camadas, cutícula, pH e cabelo poroso

Escolher um tratamento capilar é como levar o seu carro para fazer uma manutenção: pode parecer que o serviço ficou bom, mas se você não entende nada de carros e não sabe avaliar direito, não dá pra ter certeza. Aí dá o maior medo de ter levado gato por lebre, e às vezes você só vai descobrir quando o sistema começar a dar pane no futuro.

O seu cabelo pode cair por uma série de motivos diferentes, e se você não souber exatamente qual deles está te afetando, pode acabar perdendo muito tempo e dinheiro com produtos ou tratamentos que não tenham nada a ver com o seu problema específico. Ou que até pareçam funcionar no começo, mas que acabem não resolvendo ou até piorando a situação no longo prazo.

Antes de receitar a medicação nós precisamos primeiro conhecer o paciente, certo? Este é o primeiro de uma série de posts onde vamos analisar o cabelo de perto: do que ele é feito, como ele funciona e qual é o seu ciclo de vida. Depois vai ficar bem mais fácil entender como cada processo de queda de cabelo interfere nesse ciclo, e escolher o melhor plano de ataque pra sanar de vez o problema.

Vamos às apresentações, então: este aqui é o seu cabelo, muito prazer. 🙂

Camadas do cabelo

Todos os fios do nosso cabelo têm duas camadas principais: a cutícula (parte mais externa) e o córtex (parte intermediária). Alguns fios ainda têm uma terceira camada, a medula (parte interna). Se compararmos o fio de cabelo com um lápis, a cutícula seria a pintura externa, o córtex seria a madeira e a medula seria o grafite.

As camadas do nosso cabelo – cutícula, córtex e medula – podem ser comparadas às de um lápis. (Foto original: Kain Kalju)

Primeira parte: a cutícula

A cutícula é composta por várias placas sobrepostas, como as telhas de um telhado ou as escamas de um peixe. A função delas é servir de “escudo” para a camada de baixo, o córtex do cabelo, protegendo-o de agressões externas e ajudando a “segurar” água e outras substâncias dentro do fio. A cutícula é composta basicamente por camadas de queratina (uma proteína), e as ceramidas (um tipo de lipídio) agem como a “cola” que mantém essas camadas no lugar.

Cutícula do cabelo ampliada em um microscópio. Observe as placas sobrepostas, como as telhas em um telhado. (Foto original: CSIRO)

Você pode fazer uma experiência para “sentir” a cutícula do seu cabelo: com uma das mãos, segure um fio (não precisa arrancá-lo da cabeça!) pela ponta. Depois, segure com firmeza o meio do fio entre os dedos indicador e polegar da outra mão (como uma pinça) e deslize os dedos para baixo, em direção à ponta. Os dedos deslizam com facilidade porque o movimento está acompanhando a direção das placas da cutícula.

Agora tente deslizar os dedos novamente, só que de baixo pra cima (começando da ponta e indo em direção à raiz): você provavelmente vai sentir uma resistência, uma textura mais áspera, e o cabelo pode até fazer um barulho durante o movimento. Isso é porque os seus dedos estão indo na direção contrária à das placas, e “esbarrando” na beiradinha de todas elas!

Impressionante, né? Provavelmente o seu fio não gostou nada dessa experiência (o atrito agride a cutícula do cabelo!), então peça desculpas, diga que foi pelo bem da ciência e que você nunca mais vai fazer isso de novo. 🙂

Portões do cabelo

As placas da cutícula funcionam como pequenas “portas” de cada fio, e podem estar fechadas (bem unidas umas às outras, impedindo a entrada e saída de água e outras substâncias e bloqueando o acesso ao córtex) ou abertas (levantadas e afastadas, permitindo a entrada e saída de substâncias e deixando o córtex mais exposto e desprotegido).

É fácil imaginar como as cutículas do nosso cabelo se abrem e se fecham observando uma pinha, que reage ao meio ambiente de forma parecida. (Foto original: Saeru)

mecanismo que controla a abertura ou o fechamento da cutícula reage principalmente a dois fatores: temperaturapH (potencial de hidrogênio, que determina se uma substância é considerada ácida, neutra ou alcalina). Lembrando das aulas de química: a escala de pH vai de 1 a 14, onde o 7 é considerado neutro. Qualquer número menor que 7 indica pH ácido, e qualquer número maior que 7 indica pH alcalino.

A temperatura e o pH interagem com a cutícula da seguinte forma:

Temperaturas mais altas (quentes) e produtos com pH alcalino (elevado) fazem as placas da cutícula se abrirem, e costumam ser utilizados para limpeza profunda (anti resíduos) e como preparo para o cabelo receber os componentes de alguns produtos capilares (se a cutícula estiver fechada, eles podem ficar “presos” do lado de fora dos fios, sem conseguir entrar). Nesse estado o cabelo fica áspero e opaco (reflete mal a luz).

Temperaturas mais baixas (frias) e produtos com pH ácido (baixo) fazem as placas da cutícula se fecharem, “trancando” a água e as demais substâncias dentro do fio e bloqueando o acesso ao córtex. Nesse estado os fios ficam sedosos e brilhantes (refletem bem a luz).

O pH normal do cabelo é levemente ácido, assim como a maioria dos shampoos e condicionadores (o que ajuda a manter as cutículas fechadas). Os shampoos anti-resíduo, tinturas, descolorantes e alisantes químicos são mais alcalinos e abrem a cutícula dos fios.

 

ATENÇÃO: Nada de sair correndo pra “cozinhar” o cabelo ou usar produtos muito ácidos ou alcalinos por conta própria, tá?! Quando o assunto é temperatura e pH, a diferença entre os níveis que controlam e os níveis que estragam os fios é MUITO pequena. Obedeça as instruções de uso de qualquer produto, e deixe os procedimentos que envolvem química mais pesada e níveis de pH muito extremos para os profissionais realizarem: só eles vão poder avaliar se o seu cabelo está saudável o suficiente para receber um produto muito forte, e deverão neutralizar corretamente toda a alteração de pH que for realizada durante o processo.

O pH normal do cabelo é próximo de 5.5 (levemente ácido), e é perto dessa faixa que você quer ficar. A ideia é que o seu shampoo retire apenas a sujeira e o óleo que ficaram acumulados em cima do fio, e que o condicionador forme um filme protetor que ajuda a manter a cutícula fechadinha e brilhante. Então, a menos que você esteja descolorindo, pintando ou mudando a estrutura dos fios (com alisamento, relaxamento ou permanente), o ideal é manter o pH levemente ácido, para que os fios fiquem macios, sedosos, brilhantes – e com as cutículas devidamente trancadas! 🙂

Cabelo com buracos?

Todas as agressões que o cabelo sofre no dia-a-dia (raios solares, altas temperaturas, química, tensão aplicada ao desembaraçar ou prender os fios, etc) atacam diretamente a cutícula dos fios. É importante dizer que a haste do cabelo é formada por células mortas: diferentemente da nossa pele, que consegue se recuperar depois de um corte ou arranhão, por exemplo, o cabelo não é capaz de se regenerar sozinho. Isso significa que os danos que a cutícula sofre são permanentes.

Quando a cutícula apresenta muitas falhas e “buracos”, dizemos que o cabelo está poroso: nesse estágio ele não consegue reter bem a água (imagina tentar carregar água numa peneira!) e fica extremamente vulnerável, podendo se tornar quebradiço se o dano for muito grande. É possível que você perceba uma diminuição na quantidade de cabelo e ache que ele está caindo, quando na verdade os fios estão se partindo ao meio por causa da cutícula fragilizada.

Alguns produtos são capazes de “preencher” esses buracos e dar alguma proteção a mais ao cabelo, mas essa é uma solução paliativa: apenas previne temporariamente que o problema avance, mas não consegue reverter o dano que já aconteceu (não dá pra fazer placas novas crescerem na cutícula). O único jeito é cortar as partes danificadas.

Percebeu a gravidade da coisa? Então trate de cuidar bem da cutícula dos seus cabelos. Como você viu, ela é essencial para manter a força e a beleza dos fios. 

Apesar de ser forte e resistente para defender o cabelo das agressões, a cutícula do cabelo na verdade é uma camada bem fina e – pasme – transparente! De onde vem, então, a cor do seu cabelo? Vamos descobrir isso e muito mais no próximo post 😉